O MUNDO DO MEIO ONEIRON
CONTOANDO - Samir S. Souza

Pigmaleão - Francisco Farias Jr.




PIGMALEÃO
Francisco Farias Jr.


A partir do momento que você observa seus filhos crescerem adquirindo discernimento sobre o que é certo ou errado suas preocupações aumentam com relação à educação deles. As brigas com minha esposa em relação à criação de minha filha eram constantes pelo fato de discordarmos de algumas atitudes minhas. Eu cresci com uma disciplina rígida dada pelos meus pais e também tentava passar algo igual para minha filha. Após uma dessas discussões calorosas com minha mulher, resolvi me declarar por vencido e saí de casa batendo a porta para beber nos bares.

Retornei de madrugada completamente embriagado e notei que minha família me esperava preocupados. Atordoado pelo álcool, eu cambaleei até a cama para dormir quando tive aquela revelação que começava com o seguinte nome: Pigmaleão!

Levantei-me sem forças para correr atrás de meu notebook, porém minha esposa o havia escondido. Ela sabe que quando estou alcoolizado tenho idéias obscuras, com isto ela não deixa eu escrever.

– Filha, por favor, pegue um papel e uma caneta para seu pai – balbuciei estas palavras com a boca anestesiada pelo vinho, quase suplicando.

– Pega não filha, teu pai vai escrever coisas do diabo! – disse minha mulher.

Eu tinha que escrever a mensagem que rodeava minha mente naquele instante, senão esqueceria tudo. Ao acordar não me lembraria de mais nada.

– Eu preciso escrever, devolve meu notebook!

– Não, vai dormir! – foi o que as duas falaram num coro ensaiado.

Neste instante eu me firmei sobre o chão que rodava como um carrossel e tranquei-me no banheiro, ficando lá a madrugada toda. Pela manhã abri a porta pois minha companheira queria escovar os dentes. Quando ela entrou deu um grito de horror que sacudiu toda a casa. Eu tinha cortado os braços com uma lâmina do barbeador e, com um cotonete, retirava meu próprio sangue para escrever sobre o papel higiênico – como num pergaminho – esta história que se segue:

É fato confirmado que na Grécia Antiga havia um sábio de nome Pigmaleão. Ele era um artista que criticava constantemente o comportamento das mulheres de seu estado, logo escrevia peças teatrais onde os personagens femininos eram sempre cômicos. Se houvesse uma mãe encenando ela teria que ser uma gorda desengonçada; quando era uma vendedora, o único produto a ser vendido era o próprio corpo dela; e daí para pior. As mulheres da cidade revoltavam-se com o crítico pensador e tentaram por fim à suas ações por bem ou mal. Pigmaleão então percebeu que sua estratégia de construir uma sociedade melhor estava indo contra o gosto de seus compatriotas, daí o mestre resolveu agir de outra maneira.

O sábio grego adotou uma menina órfã, de nome Vanglória, para ele mesmo educá-la com aquilo que achava coerente, ele estava disposto a provar para todos que era possível construir uma “mulher perfeita”. Aquela invenção poderia servir de matriz para uma nova nação de seres puros e evoluídos, do seu ventre sairiam exércitos de filósofos íntegros e sua semente se propagaria por todo o mundo.

Eram boas a idéia do mestre grego, porém a tal moça foi sacrificada em seus modos infantis e defeitos. Ela foi adestrada como um animal pelo sábio homem para comportar-se igual aos seus anseios. Ela comia unicamente frutas e vegetais em pouca quantidade, banhava-se quatro vezes ao dia, tinha que estar sempre com os cabelos escovados e vestimentas limpas. Não poderia expressar emoções, muito menos perder a concentração dos estudos que eram rígidos e constantes. Na menor falha da jovem discípula, Pigmaleão a castigava severamente com uma vara de madeira sempre pedindo para a moça recitar argumentos que lhe convencesse a não bater mais forte.

– Perdoa-me sábio mestre pelo meu desleixo, vossa consciência sabe que tais açoites ministrado por este rígido bastão trazem-me amargura física e toda minha carde sofre com isto. Por conseguinte contratuo, com minhas palavras, que se tais atos relapsos forem repetidos por mim o senhor terá o dever de me castigar mais forte ainda. – suplicava a garota tal discurso para que o homem cessasse a surra.

Vanglória não podia chorar, muito menos olhar nos olhos de seu mestre. Seu caminhar teria que ser sensual mais não muito vulgar. Sua costura era a melhor das artesãs e seu cozido excepcionalmente fantástico.

O Tempo passou e Vanglória agora era uma mulher que despertava a cobiça de todos os homens da Grécia, país que sempre teve fêmeas sábias e bonitas. Mas o artista mantinha sua criatura enclausurada dentro de casa. A mulher, que tinha cicatrizes grossas nas costas pelos castigos que sofria com anos de adestramento, mas ainda não estava pronta – lhe faltava alguma coisa. Pigmaleão lutava para não possuir sua Vanglória sexualmente, mantendo-a ainda virgem; sua pele era cheirosa, seus cabelos lustrosos e suas ações magníficas entretanto o seu professor preservava sua integridade. Para compensar tamanho sofrimento carnal que sentia por Vanglória, Pigmaleão se satisfazia com as sacerdotisas de Dionísio – o deus do vinho. Ele adentrava o templo dos bacanais e entregava-se as orgias para louvar num culto ao deus das insanidades.

Certa noite Pigmaleão sentiu um fortíssimo peso na consciência com relação a sua discípula. O quê faltava para sua completa perfeição? Ele ainda não sabia, no entanto ela estava ainda incompleta. Ele tentou argumentar com Vanglória para questioná-la:

– Meu mestre sabe que teu caráter é o meu caráter, que seus desejos são os meus também, pois servi-lo com minhas forças e inteligência é meu maior prazer. – disse a escrava Vanglória.

O sábio artista sofreu com aquelas palavras, pois Vanglória era uma fêmea sem idéias próprias, ela era completamente submissa ao seu mestre, não lhe dando motivos para conflitos. E aquilo doía na alma dele profundamente!

Pigmaleão então seguiu para o templo da luxuria de Dionísio, mas encontrou a porta trancada. Um dos eunucos disse que as sacerdotisas do sexo tinham indo para Atenas, com o intuito de formalizar a paz entre os gregos e os soldados romanos através cópula carnal. O mestre Pigmaleão então retornou para casa mais cedo e descobriu que Vanglória não estava ali. Será que alguém roubou sua criação?

Aquele homem retornou pela estrada quando ouviu, dentro da floresta, barulhos de patas galopando. Pigmaleão seguiu em direção aos ruídos que vinha de dentro da mata, haveria algum cavaleiro com sua Vanglória certamente. Quando o mestre chegou sorrateiramente para trás de uma muita, ao encontro do som, viu algo que lhe impactou...

Sua Vanglória estava sendo possuída por um sagitário. A mulher cavalgava na parte cavalo daquele monstro de uma forma adversa, era na parte de baixo que ela se agarrava. Aquele ser mitológico parte homem - parte cavalo tinha seduzido sua criação. Pela primeira vez Pigmaleão reparou que tinha sido traído por sua Vanglória de forma sardônica. Era aquela mulher igual a qualquer outra de sua cidade, logo seus anos de dedicação ao cultivo de uma fêmea primorosa tinham sidos em vão. No entanto o sábio Pigmaleão, inteiramente estimulado, sorriu com o exemplo que aprendeu de sua aluna e concluiu que tinha feito um bom trabalho!

Com esta sóbria visão que tive durante minha louca embriagues percebi que não posso ensinar sozinho uma criança que vive integrada numa sociedade, porque ela imitará nossos cotidianos igualitário. Tenho primeiro que mudar o comportamento de meu povo e, nesta aterrorizante batalha, conseguirei deixar nossas idéias mais evoluídas. Parece ser difícil, no entanto é mais simples que instruir um filho!

Conto retirado com autorização de seu autor do blog Ler Contos de Terror



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