O MUNDO DO MEIO ONEIRON
CONTOANDO - Samir S. Souza

A origem do Mundo


Gustave Coubert
A ORIGEM DO MUNDO

As tuas tetas, que já vi milhares de vezes,descobriram que me enjoei de olhá-las e agora se cobrem de branco nos lençóis, nos lenços, nas pencas de roupas com as quais cobre-se e que parecem sempre as mesmas.

Odiava a forma que me obrigavas a te olhar, fazendo cena, tristonha, sem nenhuma palavra, passando os dedos na poeira dos móveis, sem ter coragem de limpá-los. É clichê, mas a você eu não devo palavras requintadas, termos muito inéditos. Não era inédita a sua falta de coragem de falar e eu me enterrava no mesmo silêncio teu enquanto a minha pica se enterrava na sua boceta seca e você nem se mexia, eu preferia mil vezes me dissesse pra parar, do que aquela morbidez tão constrangedora.

Quando foi que você parou de gritar?

Só quem me olhava nos olhos, era a sua teta mole. Que me fez vomitar como há muito tempo eu não vomitava. As golfadas quentes de café, água e sangue inundaram como de propósito as suas toalhas brancas, que esfreguei ainda mornas, como se fosse um menino escondendo da mãe uma travessura.

Nunca mais a comi. A simples lembrança das tetas moles, da secura, me enojava. Você foi ficando com cheiro de leite azedo, e parando de me esperar.

Sempre que eu me levantava e deitava, sentia o seu cheiro leitoso, e a via de costas pra mim, de pijamas brancos, engraçado, sempre achei que houvessem pijamas azuis também, cor de rosa, mas agora não fazia mais diferença. Nada que disséssemos ou fizéssemos, o tempo de silêncio dissolveu tudo em nós.

Até que um dia, depois de semanas, meses ou anos, eu o encontrei.

Eu estava deitado, e o senti passando na penugem do meu braço. Voltei a dormir, não devia ser nada.

No trabalho, sempre esticando a hora, tomando café, que era a única coisa de quente dentro de mim. Copos sempre pela metade. Quando foi que eu me acostumei a ter só as metades?

Na noite seguinte, o mesmo incômodo, dessa vez multiplicado. Sinto como se vários insetos andassem pelo braço descoberto.

Acendi o abajur, pra ver o que era. Levantei uma das criaturas nos dedos e constatei que era um pequeno verme branco. Devia ter 2 ou 3 centímetros.

Olhei em sua direção, e vi que saíam outros, dezenas, centenas deles da camiseta do seu pijama, andavam entre os seus cabelos e você não se mexia, nem isso te incomodava mais.

Foi quando eu toquei o seu braço. Sentindo a frieza dele, deveria ter deixado a casa, pois já sabia o que viria em seguida, eu sabia mas foi inevitável, eu a virei pra mim.

Haviam mais vermes, saindo de todos os orifícios do seu rosto, não mais branco, mas de uma cor arroxeada, entre as suas mãos de unhas sujas havia uma arma que tinhas herdado do seu pai, e que há mais de 10 anos, havia jurado ter se desfeito.

Na altura do peito, um rastro de sangue seco na roupa branca, que eu tive que levantar pra ter certeza de que lá estavam as suas tetas ainda.

Mas agora elas tinham assumido uma textura de plástico duro, tal como uma boneca. Entre as duas, havia um buraco, do qual saíam os vermes, gordos, alimentados.

Você só tinha gastado uma bala, das seis. Então eu decidi que deveria destruir suas tetas, pra que elas parassem que me olhar, pra que só habitassem a minha memória despedaçadas, como eu as deixaria.

Dei um tiro em cada uma, na superfície, temia que, ao encostá-las na sua pele, o estrago fosse apenas interior. Olhei bem pra elas, que agora se resumiam a carne dispersa, buscando gravar aquela imagem pra sempre.

E fugi.

Há quanto ando, não sei. Ou se alguém te encontrou, ou se sentem a nossa falta em algum lugar.
O que eu acho é que já havíamos nos apagado por completo da memória dos outros. E da nossa própria memória.

Mas o que fiz, não funcionou. Eu só consigo lembrar das tetas naquele dia, naquele dia em que eu segurei a arma entre as suas mãos e puxei o gatilho.

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